A relação entre política, liberdade e violência.

Para o desenvolvimento do presente texto, nos centramos na concepção de política, de liberdade e de violência para Hannah Arendt. Para ela, a política é sinônima de liberdade. Para a autora, a política só é possível na esfera pública.

Na Grécia antiga, havia uma clara separação entre a esfera privada (dominada pela ética) e a esfera pública (espaço dominado pela política). Os gregos se reconheciam como coletividade, o que permitia a eles trabalhar pelo bem comum. A noção de coletividade é diferente da noção de massa. A política seria justamente a relação entre os sujeitos da coletividade em prol do bem comum, do bem de todos.

A modernidade não possui mais a noção de esfera pública, e garantiu ao sujeito a perda da esfera privada: tudo se transformou em uma enorme ação de publicidade. A modernidade é uma relação entre individualidades, entre sujeitos que não são “eus autênticos”, não são autônomos, não são singulares. Não pensam o “nós” como coletividade: são apenas a relação de indivíduos sem consciência coletiva. Nessa concepção, há praticamente uma impossibilidade da prática da política como os gregos a concebiam.

Para Arendt, para haver política, tem de haver esfera pública. E o sentido da política é a liberdade, essa liberdade como ação de criar o possível. A liberdade é a finalidade da política. E essa finalidade, perdida a esfera pública, onde se trabalharia em prol do bem comum, ainda é mantida na modernidade?

Essa finalidade estaria corrompida hoje. A política, desde Maquiavel, passou a definir-se como tomada e manutenção do poder, e não como liberdade. A modernidade trabalha com a noção de livre arbítrio, e não de liberdade, como os gregos clássicos. Trata-se de uma parte muito pequena da liberdade, de uma redução mesmo dessa liberdade à escolha entre elementos dados. Colocam-se elementos diante do indivíduo e dá-se a ele o “direito” de escolher entre o já dado.

Arendt separa o mundo entre reino da natureza (sem liberdade) e reino da liberdade (do homem): tirando-se as necessidades da natureza e suas leis, o ser humano pode criar todo o resto. O que faz o humano, humano, é a possibilidade e liberdade de criação de cadeias causais, novas.

Para Arendt, exercita-se a política quando o sujeito liga sua liberdade à imaginação, para criar novas cadeias causais. Somente onde há liberdade a política é possível. O fim da ética (esfera privada) é a felicidade; o fim da política (esfera pública) é a liberdade.

Se essa relação entre ética e política era prevalente na antiguidade grega, hoje a relação da política é com a violência, que “coisifica” o sujeito e é o avesso da ética. A violência desqualifica o sujeito como sujeito e o qualifica como objeto. O estado moderno é essencialmente ligado à violência.

Na modernidade, o capitalismo está instaurado, e a política, alimentada pelas relações capitalistas, busca favorecer esse sistema produtivo. Veja-se a relação entre os atores ditos “políticos” no filme Tropa de Elite, em especial no segundo filme da franquia.

A finalidade da política, no Estado moderno, passa a ser a própria violência e a guerra. Não mais a liberdade, como na Grécia antiga. E a violência chega a impedir a própria ética e a política, no entendimento de Hannah Arendt.

A política, munida da violência, exercitando-a abertamente em favor do capital, torna o homem um objeto, impede-o de ser livre (pois não se enquadraria nas relações causais aceitas pelo capitalismo), impede sua manifestação como sujeito ético e determinador de seu destino, de sua existência. Ele perde a autonomia que a ética lhe confere, perde sua autenticidade.

É pela violência, que impede a ética e a liberdade, que atua hoje a política, em favor do capital e das relações produtivas, que destruíram a noção de esfera privada e de esfera pública, em favor de uma publicidade que garante o controle de todas as ações livres.

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