Felizbela não era feliz. Tampouco bela.
Na verdade, era até bem feinha, e possuía uma tristeza verdadeiramente
contagiante. Era pequena, tinha olhinhos miúdos que lembravam pequenos grãos de
bico. A cabeleira era linda, mas tinha um efeito nocivo: emoldurava tão bem um
rosto, mas tão bem, que acabava chamando a atenção de todos para esse rosto. E
o rosto que ela emoldurava era feio, tristemente feio. Nas palavras de Feliz,
como as amigas a chamavam (a opção era “Bela”, mas a ironia ficaria evidente
demais), era o rosto mais feio do mundo.
Felizbela era apaixonada por Renatinho, um moço boa praça, conservador.
E lindo. O tipo que todo sargento pede como genro. Não era rico, mas tinha “posses”.
Ele nunca olhou exatamente para Feliz. Olhava para aquela cabeleira linda,
negra como a noite, e sonhava.
Mas a vida sempre reserva surpresas, não importa o grau de beleza da
pessoa. E para Feliz, ela reservou
Tristão, também muito feio, mas profundamente feliz. (No que diz respeito a
nomes predizerem o futuro dos filhos, ambas as mães tinha errado de longe).
Tristão não ligou nem por um segundo para a cabeleira de Feliz. Apaixonou-se
pelo sorriso dela de cara. Era o sorrisinho mais lindo e meigo da galáxia. Não
demorou e ambos já se conversavam. E falavam muito, de tudo.
Feliz logo percebeu as intenções de Tristão. Protestou.
“Sou feia e triste. Você é feio, mas feliz. Sei que gosta de mim só
pelos meus longos e belos cabelos. Todos os homens que se aproximaram de mim só
se encantavam por elas, minhas madeixas”.
“Você está errada, Feliz. Nunca reparei em seu cabelo, na verdade.
Sempre olhei para seus lábios e o sorrisinho que eles criam. É lindo demais e sou
apaixonado por ele. E como posso amar somente um sorriso, sem amar a mulher que
o cria, como um todo? Sem amar o interior dessa mulher?”.
Então, Tristão desatou a falar de sincronicidades, de metades de
laranjas e outras frutas mais. Garantia que ele e Feliz formavam um par
perfeito.
“Você é meu queijinho, Feliz, eu sou sua goiabada”.
“Tenho que confessar uma coisa, Tristão. Gosto mais de mocotó. Não sou
chegada em uma goiaba não, mas se a sorte me trouxe você, quem sou eu para
reclamar?”.
E eles viveram felizes para sempre. Mas com duas condições, impostas
por Felizbela.
A primeira era que o filho do casal se chamasse Jamaica. Nada dessa
coisa de tentar prever futuros com nomes.
A outra seria ele deixar ela se livrar daquela cabeleira toda, que
chamava demais a atenção. Jogaria fora ou daria de presente a quem quisesse, e
candidatas não faltavam, querendo a linda peruca que nasceria daquele corte.
Pois bem. Fim.
PS.: Os longos fios de cabelo de Felizbela emolduravam agora o rosto de
Giselda, que atravessava a noite com aquela linda cabeleira e, de dia, colocava
no armário, para desfilar toda sua beleza e conservadorismo como Renatinho, o
mocotó de Felizbela.
Feliz não acreditou na cena de Renatinho gritando e catando os longos
fios de cabelo que caiam no chão do cabeleireiro. Não protestou por ele não ter
sequer pedido os fios a ela. Afinal, o que de mais havia em deixar ele ficar
com as madeixas agora inúteis para Feliz, que finalmente era feliz com Tristão
e Jamaica?
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