Depois de mim


Cansado, me sentei à margem do pequeno córrego que serpenteava no meio das matas, e irrigava com águas frescas aquela velha pedra na qual sentei. Os pés descalços foram abandonados no leito, massageados pelas águas muito limpas. O vento assoviava como assoviou para meus ancestrais, dizendo não-sei-o-quê, porque o entendimento do que dizia se perdeu com o tempo, quando a fé dirigia os rumos das tribos. Minha tribo nunca existiu. Sequer foi formada um dia. Eu me apartei da árvore genealógica de minha família e me perdi absorto em pensamentos frívolos por muitos anos. Naquele dia eu estava absolutamente concentrado, vazio. Silêncio. Apenas sentia as águas nos meus pés e o vento nos meus cabelos. Olhei o fundo da pequena serpente líquida que dava vida às matas, formada por veios minúsculos que brotavam do alto das montanhas. Pela primeira vez revi meu rosto refletido. E era estranho, tão diferente de como eu me lembrava. Era velho demais pelo tempo que se passou desde a última vez que me lembro de ser...eu. Quando me perdi? Sei que me perdi, mas não lembro quando nem onde. Passei muitos anos assim. Agora, decidi não visitar mais as velhas memórias. O rio ancestral, o vento ancestral, o leito ancestral, a pedra ancestral. Todos eles me diziam apenas para me perder de mim e olhar as águas, senti-las nos pés. E foi o que fiz. E pela primeira vez ouvi as águas falando para mim, e percebi o sentido do não-ser. E isso era toda a filosofia de que eu precisava para entender de uma vez por todas o existir.



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