O fim da História já passou - e descobrimos que ele nunca existiu!

Em 2008 realizei uma entrevista com o sociólogo do trabalho Ricardo Antunes. Não falávamos ainda em crise. Ao menos não abertamente. Ao menos não em "crise econômica global". A idéia de um mercado sem as amarras do controle estatal ainda parecia a solução para que jamais houvesse nova crise, para que o mundo desfrutasse do "estado de bem estar social" (só na cabecinha deles mesmo, entupida de ideologia - no sentido marxista do termo - neoliberal) que a nova estrutura de mercado proporcionaria. Ainda encontrávamos, na grande imprensa, entrevistas com megadiretores de corporações multinacionais, reclamando da estrutura de custos que o trabalhador - esse ser retrógrado que não se sacrifica em prol do bem estar de todos [da elite econômica, claro], humpf!- e os direitos trabalhistas criavam. Já se falava em flexibilização de leis trabalhistas e etc.


A atual crise econômica global - oh!!! como isso é possível!? - é um ótimo momento para flexibilizar tudo. Me desculpem a memória, já que desconheço o fim da História e prefiro não esquecer (só pelo gostinho de lembrar depois). Segue a matéria que nunca conseguiu espaço em jornais impressos (embora o sociólogo tenha dado entrevista no Estadão há pouco tempo):


Trabalhadores são prejudicados com novas formas de produção

Para sociólogo, o mercado de trabalho diminui os direitos

trabalhistas, aumentando o desemprego e a informalidade


As relações de trabalho passam por um processo de mudanças no Brasil e no mundo. Trata-se de um fenômeno conhecido como "reestruturação produtiva". Se o nome é difícil e até pomposo, os resultados são bem conhecidos dos trabalhadores e sindicatos: desemprego, diminuição de direitos, terceirização. Para as empresas, significa diminuição do número de trabalhadores, maior controle sobre os funcionários, aumento na produção e mais lucro. Essas mudanças estão na gênese de um dos inimigos dos trabalhadores e do governo brasileiro: o aumento da informalidade.


Esses são alguns dos resultados aos quais Ricardo Antunes, doutor em sociologia e professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Universidade de Campinas (Unicamp) chegou com o projeto que ele coordena, chamado "Para onde vai o mundo do trabalho?". Há mais de duas décadas, o sociólogo desenvolve pesquisas sobre o operariado e suas relações de trabalho, e defende uma tese central: a classe trabalhadora ganhou uma nova conformação, uma nova morfologia. Enquanto muitos estudiosos acreditam no fim dessa classe, Antunes defende que ela está muito mais fragmentada, heterogênea e complexificada, com o desaparecimento ou redução de algumas categorias, e o nascimento e ampliação de outras, como profissionais do telemarketing, motoboys e digitalizadores.


Para Antunes, o termo "reestruturação produtiva" refere-se às novas formas de gestão e controle do trabalho e da produção, sustentadas sobre dois pontos fundamentais: a inovação tecnológica, ou seja, o desenvolvimento de tecnologias que são incorporadas aos mecanismos de produção das empresas, e o aumento do ritmo de trabalho imposto aos trabalhadores. Como conseqüência, há o crescimento da produção e do lucro das empresas, e a diminuição do número de empregados.


De acordo com o sociólogo, uma das conseqüências diretas desse processo de reestruturação produtiva é a ampliação do trabalho informal, modalidade composta por trabalhadores terceirizados, contratados temporários ou parciais, por exemplo, assim como o aumento do setor de Serviços e do Terceiro Setor.


Outra característica desse processo é o crescimento do desemprego, que atinge fortemente os jovens com idade de ingresso no mercado de trabalho e os considerados "idosos", que, aos 40 anos, já encontram dificuldades para encontrar emprego formal, recorrendo então à informalidade, ao subemprego e aos "trabalhos voluntários", realizados sem remuneração.

"Os capitais hoje consideram a força de trabalho como custo, e as empresas consideram a redução de trabalhadores como uma importante fonte de redução de custos, por isso elas incrementam tecnologia", afirma Antunes. "Campinas chegou a ter 80 mil trabalhadores metalúrgicos, hoje tem 40 mil, perdeu quase metade. São Bernardo tinha 250 mil, hoje tem pouco mais de 100 mil", ilustra. "O incremento tecnológico tem freqüentemente como resultado o desemprego de trabalhadores. Mas não é a máquina que desemprega, é o sistema de capital, de caráter destrutivo, que utiliza o maquinário como elemento de depreciação do trabalho humano".


Nesse contexto, as empresas exigem uma nova postura por parte do trabalhador, que ao invés de ser fortemente especializado em uma área, deve ser flexível para executar diversas tarefas, ser "polivalente e multifuncional", como escrevem Ricardo Antunes e Giovanni Alves, doutor em sociologia e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP – Marília), em artigo intitulado "As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital", publicado na revista Educação & Sociedade, volume 87, da Unicamp. É imposto ao trabalhador, ainda, a necessidade de constante qualificação e preparação para adquirir "empregabilidade", o que é feito em seu tempo livre.


Essas mudanças, contudo, possuem impactos diretos sobre os direitos dos trabalhadores. Antunes defende que, para que o capitalismo se adeqüe a essa nova realidade do mercado, acontece uma redução dos direitos trabalhistas, que é a diminuição das leis que protegem os trabalhadores, ou seja, a "flexibilização dos direitos trabalhistas", um dos mecanismos da "precarização do trabalho".


"Flexibilização é sinônimo de precarização", afirma Antunes. "Em nossos estudos, não conheço nenhum caso onde a flexibilização tenha trazido vantagens salariais, de direitos, de condições de trabalho para os trabalhadores. Com ela, vem a insegurança, vem a perda de direitos. Em nenhuma sociedade capitalista avançada onde os trabalhadores tenham mais direitos eles perdem mais. Eles perdem mais na medida em que eles têm menos direitos", sustenta.


Ricardo Antunes é autor dos livros "Adeus ao trabalho? (Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho)", "Os sentidos do trabalho", e "O caracol e sua concha". É organizador do livro "Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. Vol. 1 e 2". Uma das linhas da atual pesquisa conduzida por Antunes versa sobre as formas de resistências sindicais nas fábricas e empresas ao processo que ele chama de "precarização estrutural do trabalho".

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