Verdades e mentiras: como se cria uma microcrise?

Curiosa a posição da mídia no caso Lina Vieira, ex-secretária da Receita Federal. Por dias, a mídia bateu na mesma tecla: Lina Vieira se encontrou com Dilma. No encontro, Dilma TERIA pedido a Lina, que acelerasse a fiscalização em empresas da família Sarney. A ex-secretária INTERPRETOU o pedido da Ministra como uma ordem para encerrar as investigações.

O curioso é o seguinte: agora, sem sombra de constrangimento, a mídia ouve Lina e afirma que ela não interpretou o pedido de Dilma como uma ordem para encerrar nada, justamente o oposto do que vinha sendo veementemente dito. Fica a pergunta: por que razão não ouviram Lina antes? E se ouviram, por qual razão não a contradizem agora, já que ela teria confirmado aos repórteres que interpretou o pedido da ministra como para encerrar o caso? Ou será que a ouviram, mas fizeram questão de não entender? Ou será, ainda, que a interpretação partiu do próprio repórter, ouvindo porcamente, ou pinçando, declarações captadas em um gravador?

As palavras postas em caixa alta no primeiro parágrafo deste post falam muito sobre o que está se passando agora. O condicional é uma forma que os jornalistas utilizam para dizer algo sem dizer de fato. Ou seja: não basta jogar a fala sobre outra pessoa. Temos que dizer que ela disse tal coisa, mas desconfiar que ela tenha de fato dito aquilo. Por qual motivo, então, colocar algo que não se pode afirmar com certeza que foi dito? Bem, é uma forma de dizer algo sem se colocar na linha de tiro. Funciona. Tanto para verdades como para mentiras sabidas, mas mesmo assim repetidas.

A segunda palavra posta em caixa alta também é sintomática. Está no centro da microcrise da crise do Senado. Dizer que alguém interpretou algo de tal forma pressupõe que se tenha ouvido dessa pessoa que ela, de fato, interpretou, mas que não foi dito explicitamente. Se não foi dito explicitamente, então a pessoa que interpreta, assume a responsabilidade pela interpretação. A responsabilidade, neste caso, é de quem, de Lina ou da mídia, já que agora a mídia aparece dando a palavra a Lina, que diz não ter se sentido pressionada a nada (em desacordo com a INTERPRETAÇÃO da mídia), e negando que tenha dito que a ministra mandou engavetar a fiscalização, parar com ela, encerrar logo e pronto?

O que está em questão parece ser outra coisa: não a busca da verdade, mas o caminho das intigas. Agora, a mídia ouve Lina por um motivo simples: conseguiu-se criar uma microcrise sobre Dilma. Ela, agora, é a mentirosa. Ela, agora, tem a credibilidade arranhada. Isso sem que fosse provado que houve, de fato, algum encontro entre ela e Lina. E se houve de fato, qual seria o problema, já que a própria Lina afirma que "eu entendi, nas palavras da ministra, que resolvesse logo as pendências, que desse celeridade ao processo."?

Eis o motivo da mídia, agora, assumir outra postura. A microcrise foi criada. Pode-se olhar a verdade, sem maquiá-la. Afinal, Dilma está no centro de um bombardeio. Resta saber se houve de fato o encontro. Para Dilma, não. Para Lina, sim.

Se Dilma estiver mentindo, o que se mostrará será uma postura política equivocada, tentando uma defesa desnecessária, sobre um crime (mesmo que moral) que jamais houve (e, então, por que defender-se dele assim?). Se estiver dizendo a verdade, Lina será vista como uma mentirosa nata, cuja versão dos fatos pode ser, finalmente, descartada. E, nesse caso, a mídia mostrará sua completa falta de preparo para lidar com versões de fatos políticos em tempos de pré-pré-eleição. Ou, por outro lado, mostrará que o que quer mesmo, é enfraquecer Dilma Rousseff. Qualquer das hipóteses que se confirme, a sociedade estará perdendo. Miseravelmente.

Segue link para leitura de ótimo texto do Wálter Fanganiello Maierovitch, sobre como impedir alguém de provar o que está dizendo. O alvo? Um senhor emplumado e bicudo.

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