Um caldeirão de interpretações

O caso Battisti ainda segue em aberto, exalando vapores retóricos e contorcionismos verbais que não devem apontar saída satisfatória para gregos e troianos

O caso do italiano Cesare Battisti não envolve apenas questões técnicas sobre instrumentos de extradição, mas intrincadas visões ideológicas sobre democracia, estado de direito e soberania. Em 2005, Battisti, foragido da justiça na Europa, veio para o Brasil e, em 2007, foi preso aqui. O ex-Ministro da Justiça brasileiro, Tarso Genro, em 2009, concedeu refúgio político a Battisti, que alegava não poder exercer, em sua plenitude, o direito de defesa em solo italiano, sustentando que suas condenações decorriam de perseguição política daquele estado.

O ex-guerrilheiro Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália em 1993, acusado de quatro homicídios ocorridos entre 1978 e 1979, época em que ele integrava uma organização de extrema esquerda. Foragido, o julgamento ocorreu na ausência do então réu.

A questão técnica gira em torno do tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália, no final dos anos 80. Por ele, concede-se o refúgio quando "a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação” por diversos motivos, entre eles, políticos.

Tarso Genro acatou a tese de Battisti de impossibilidade de ampla defesa em solo italiano, sobre crimes que ele não teria cometido (utilizando como argumento sua condenação em sua ausência). Enquanto isso, três instâncias da justiça italiana e da Corte Européia de Direitos Humanos consideram os crimes atribuídos a Battisti comuns, e não políticos. Ou seja, Battisti não teria como ser considerado refugiado político no Brasil, daí a insatisfação da Itália diante da decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de manter o italiano no país.

O Brasil alega que a decisão de manter Battisti aqui é soberana. Isso significa acatar a tese do ex-guerrilheiro e concordar, por linhas tortas, que o país italiano é incapaz de realizar um julgamento justo, mesmo vivendo o estado democrático de direitos. Já pelo entendimento de Genro, crimes políticos só podem ser realizados no âmbito de uma democracia ou em momentos de transição para ela, sendo os atos cometidos em regimes autoritários considerados direitos de resistência. Sob essa perspectiva, os atos terroristas de Battisti se enquadrariam como “crimes políticos”, e não comuns, mas não abrandaria a interpretação distorcida sobre a capacidade da justiça italiana de possibilitar a ampla defesa do réu.

De forma geral, a questão “Battisti”, apesar de intensa, é insuficiente para criar de fato uma crise diplomática entre os dois países, mas é um caldeirão fervente que ainda vai soltar muito vapor.

História - Negando ter cometido os crimes e alegando perseguição política, Battisti fugiu da Itália para o México, buscando posteriormente asilo político na França, onde se tornou escritor de romances policiais. Após diversas solicitações de extradição por parte da Itália, em 2004 Battisti é finalmente preso na França, por solicitação da justiça italiana e em meio a protestos de intelectuais, artistas e políticos de esquerda. Posteriormente, o italiano é liberado e mantido sob vigilância. No mesmo ano, a corte de apelações de Paris se declara favorável à extradição de Battisti, e, em 2005, o Conselho de Estado da França confirma a sentença, ano em que o italiano vem para o Brasil.

Texto publicado na revista Outdoor Regional de 20/01/2011

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