Para Arbex Jr., as novas tecnologias
da informação diluem, em alguns momentos, a barreira entre
fantasia e vivenciação
Vamos pensar, por alguns minutos, na
atuação da mídia brasileira em dois casos: no tráfico de pessoas
presente na novela “Salve Jorge”, e na cobertura da imprensa
sobre a tragédia que vitimou mais de 2 centenas de pessoas em uma
boate em Santa Maria/ RS:
A população européia, no final do
século XVIII, experimentava os primeiros ares de uma nova forma de
pensar, sentir, fazer arte e filosofia, permeada pelo subjetivismo e
marcada pelo transbordamento das paixões: eram os ares do movimento
chamado "Romantismo". A literatura ganhava novos contornos.
Lançado em 1774, o livro de autoria de Johann Wolfgag Goethe,
despertou uma comoção inédita nos leitores: "Os Sofrimentos
do jovem Werther" narra a história do jovem apaixonado por
Charlotte, levado ao suicídio por não ter seu amor correspondido. A
obra causou uma onda de suicídios por toda a Europa, tamanha a
identificação dos leitores com o drama vivido por Werther. Ficção
e realidade foram ligadas, confundidas e experimentadas ao mesmo
tempo. Mas há confusão, hoje, entre ficção e realidade?
O jornalista e doutor em História
Social pela USP, José Arbex Jr., responde afirmativamente a essa
pergunta, em tese defendida no ano de 2000, sob o título
"Telejornovelismo – mídia e história no contexto da guerra
do Golfo", e coloca a televisão e as novas tecnologias que
aceleram as comunicações como elementos principais dessa confusão.
Arbex analisa, entre outros, o caso da atriz Daniela
Perez, assassinada na vida real pelo ator Guilherme de Pádua, com
quem contracenava na novela "De Corpo e Alma" (levada ao ar
entre 1992 e 1993).
Enquanto a novela mostrava Daniela
viva, na pele da personagem Iasmin, os jornais e telejornais
noticiavam o assassinato da atriz. "O que torna o caso de
Daniela Perez interessante é, precisamente, a confusão entre
telenovela e realidade. Como ela foi protagonista de ambos, o
apagamento de fronteiras entre os gêneros foi total", escreve
Arbex no livro "Showrnalismo – a notícia como espetáculo",
resultado da publicação, em livro, da tese de Arbex. "As
reportagens, assim como leitores e telespectadores, participavam da
confusão entre Daniela e Iasmin", escreve o autor.
Para Arbex, esse episódio demonstra
a capacidade da televisão de "criar mundos reais", ou
seja, elementos que, embora ficcionais, são vividos intimamente como
realidade, pela identificação dos telespectadores com os
personagens da ficção. "O processo de identificação permite
viver certas emoções sem correr riscos", afirma em sua tese.
"No ato de participar intensamente da trama da telenovela,
perde-se a consciência de que tudo não passa de fantasia. O drama
da personagem é fantasioso, mas a lágrima que o telespectador
derrama ou a palpitação de seu coração é real", escreve
Arbex.
Para José Arbex Jr., o caso da
novela "De Corpo e Alma" demonstrou a eliminação da
distância entre ficção e realidade. "A telenovela virou
reportagem, e os telejornais viraram os capítulos mais quentes da
telenovela".
Guerra do Golfo
De acordo com Arbex Jr., a maneira
como distinguimos aquilo que "conhecemos" daquilo que
efetivamente "vivemos" está mudando, graças ao grande
desenvolvimento das tecnologias da informação, principalmente pela
implantação de uma mídia planetária, especialmente a televisão.
"A Guerra do Golfo (iniciada em 1991) serviu como um divisor de
águas. Pela primeira vez, uma guerra era transmitida ao vivo, em
'tempo real', por uma rede de alcance planetário (a CNN), graças a
um satélite retransmissor estrategicamente colocado em órbita polar
estacionária", escreve. Para Arbex, o telespectador não apenas
tomava conhecimento dos fatos, como se sentia "participando"
do conflito.
Também foi a primeira vez onde se
utilizou a técnica de transmissão de imagens criadas por um
processo de simulação. "O salto tecnológico, do qual a CNN é
símbolo e instrumento, permitiu apresentar a Guerra do Golfo como
uma espécie de telenovela sinistra que permitia renovadas emoções
no próximo capítulo", afirma Arbex em sua tese. Para ele, "a
cobertura 'ao vivo' do conflito consagrou, definitivamente, a
'espetacularização' da notícia".
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