A construção de uma educação autêntica e significativa

Qual o papel destinado à filosofia no que diz respeito  à construção de uma educação autêntica e significativa? Para responder a essa questão, creio que seja fundamental discutir, antes, o que seria a própria autenticidade humana. Vejamos: o homem autêntico é aquele que vive éticamente o que ele é de fato, ou seja, não permite que outrém dite-lhe o que ser, de que forma ser, como se comportar, enfim, como se enquadrar no mundo moderno (é o sujeito cuja subjetividade não amolda-se simplesmente  ao dado, mas tem a capacidade de criar o novo).  Esse mundo moderno é o mundo do próprio capitalismo (vencido o escravismo, superado o feudalismo, eis que é o capitalismo que surge como forma produtiva da sociedade moderna, a estrutura que sustenta a superestrutura). O mundo moderno exige que o sujeito molde-se às forças produtivas do capital, que seja uma peça desse maquinário que move o que convencionamos chamar de sociedade humana moderna. Qual o espaço, hoje, destinado à filosofia e à própria educação (aqui entendida como formação)? São as escolas, universidades, ou outros locais que buscam a formação escolar. As escolas são justamente locais onde as relações de micropoder se desenvolvem, moldando, formando ou deformando a subjetividade do sujeito. E, mais do que isso, são locais cuja criação parte da necessidade de formar sujeitos aptos a ingressarem no maquinário capitalista, devidamente domesticados e úteis ao sistema produtivo. Sendo assim, nos é lícito supor que haja uma autenticidade no sujeito que egressa desse ambiente? É ele um sujeito autêntico, ou um sujeito cuja subjetividade fora domesticada e hoje é incapaz de criar o “milagre” de Hannah Arendt, o novo? Parece-me que esse sujeito enquadra-se mais no segundo caso do que no primeiro. Sendo assim, é a escola um espaço capaz de criar uma subjetividade autêntica, capaz de dar, no percuso formativo do sujeito, a possibilidade dele se manifestar autênticamente? Se descartarmos essa hipótese, a pergunta perderia seu sentido. A própria autenticidade do sujeito estaria anulada e, então, não faria mais sentido indagar por uma “educação autêntica”. Mas supondo que (mesmo em um universo capitalista, que exige a docilidade e a utilidade produtiva do sujeito) a escola seja capaz de permitir o florescimento da autenticidade, e chegue mesmo a instigar o florescimento dela (tocamos aqui a utopia), o que seria uma educação significativa? Para que a educação seja significativa, ela deve ser significativa para alguém, que é o sujeito. Mas o que seria o “significativo” para o sujeito? Creio que hajam tantas possibilidades desse “ser significativo” quanto existem sujeitos, afinal, o significativo o é para o sujeito. Porém, o “significativo” não é criado em função desse sujeito, o que tornaria impossível a própria educação formal, se pensarmos em um “significativo” em função de uma individualidade (afinal, em uma escola existe uma pluralidade de individualidades que, me permita dizer, forma uma massa mais do que uma comunidade). Esse “significativo” é dado em função de algo, que não é o sujeito, mas um sistema, que é o próprio capitalismo, esse que determina como deve ser a subjetividade do sujeito. Como trabalhar esse dilema? Como produzir algo que seja significativo para o sujeito (lembrando que esse “ser significativo” dependerá exclusivamente do sujeito em sua individualidade), capaz de instigar a formação de sua autenticidade subjetiva, ao mesmo tempo em que se trabalharia com uma educação dada em função de um “ser significativo” PARA um sistema, em função dele? Se a autenticidade depende de cada sujeito ser éticamente independentemente das imposições externas; se o que é significativo o é para o sujeito (e não é criado externamente em função dele, do que seria significativo para ele); se a educação responde mais por atender ao que é significativo para um sistema produtivo, criado interiormente nesse sistema e exteriormente ao sujeito; se no percurso formativo convive-se com o exercício do micropoder que atua para domesticar e “utilitarizar” a subjetividade do sujeito, impedindo sua autenticidade; então, como pensar que a educação seja capaz de ser construida de forma que ela seja autêntica e significativa, quando ela, na verdade, é produtora de subjetividades inautênticas e, menos do queproporcionadora de significados individuais, criadora de padrões massificantes que sustentam um sistema produtivo?  Não creio que iremos muito longe afirmando que o que é significativo para esse sujeito moderno o é na medida em que é também significativo para o sistema produtivo! O sujeito almeja a compra de objetos em um sistema em que a troca de mercadorias e produtos simbólicos é o motor propulsor das relações entre os sujeitos. O significativo, para esse sujeito, é o que o ajuda a conseguir esses objetos: quer seja um trabalho técnico bem remunerado financeiramente, quer seja uma oração em troca (enfatize-se essa palavra) de uma posição melhor na sociedade. Nesse sentido, a educação será significativa na medida em que ajudar o sujeito a se manter dentro do sistema produtivo, útil a esse sistema e, principalmente, necessário a ele. E esse critério para o “significativo”, me parece, a educação formal hoje está atendendo. Quanto à autenticidade, acredito que ela não pode ser introduzida nessa educação formal: ou opta-se pelo que é significativo para o sistema, porque útil ao sistema e à manutenção do sujeito dentro dele; ou opta-se por uma autenticidade que, em seu grau elevado (e nem tão elevado assim) é indesejada pelo sistema produtivo, por estar fora dos padrões. Creio que o lugar da autenticidade é o lugar do sujeito, seu interior, muito mais do que qualquer exterioridade. E não haverá educação para massa que auxilie essa autenticidade a ser manifestada e robustecida. Antes, é a educação individual que carrega essa possibilidade. E como encontrá-la? Me parece que por meio da autoeducação. Qual o papel da filosofia nesse contexto? Creio que ela seja o motor propulsor dessa autoeducação, seu guia maior, pois capaz de responder diretamente à autenticidade do sujeito. A história da filosofia é um caminho por onde o autoeducando caminha, produzindo filosofia em conformidade com sua autenticidade, e não em conformidade com um sistema produtivo. Deixando claro, não falei de algo que seja significativo para o sujeito abstratamente, que não tenha relação com sua vida prática. Mas algo que seja capaz de ser significativo para o sujeito APESAR dos interesses do sistema produtivo.

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