O conceito de Paideia, desenvolvido ao longo do
tempo, decorreu da evolução do ideal educativo grego, em princípio contido no
conceito de “Arete”, que designava a heroicidade (conjunto de qualidades
físicas, espirituais e morais). Deu-se, no processo de desenvolvimento desse
ideal educativo, uma expansão do conteúdo da “Arete”, passando a ser designado,
então, como kaloskagathia, ou seja, além dos atributos da Arete, há a busca
pela realização da beleza e da bondade.
Mas
a evolução do ideal educativo levou o homem grego para além do desenvolvimento
de sua individualidade: busca-se também o desenvolvimento do homem enquanto ser
coletivo, que vive em um continente de relações pessoais e com sua cidade. Ou
seja, não basta mais a educação formadora de individualidades, mas a formação
de cidadãos, e isso não se dá apenas com o ensino da ginástica, da musica e da
gramática.
Nas
relações acima expostas, a justiça poderia ser (e com frequência era) vítima de
potências individuais. Essa mesma justiça deveria, na concepção de educação
grega, ser o fundamento das relações entre os homens. Dá-se, então, e
finalmente, o nascimento do conceito de “Paideia”, que confere ao homem, nas
palavras de Platão, o desejo de tornar-se um cidadão (e não apenas um homem)
perfeito (ou seja, a busca pela perfeição nas relações de cidadania é uma meta
procurada – embora dificilmente plenamente realizada – pela vida toda), que
sabe mandar (na Arete e Kaloskagathia já se aprendia) e obedecer (na Paideia a
obediência também é ensinada, fundamentada na justiça).
Sendo
assim, a Paideia, como ideal educativo, fornece ao homem a possibilidade de
formar-se homem e, mais do que isso, cidadão – ou verdadeiro homem,
fundamentando suas ações e pensamentos na justiça. Mas a sua formação não se dá
apenas nos anos escolares, ao contrário, dá-se por toda a sua vida: o percurso
formativo do indivíduo, no qual ele forma seu caráter, seu corpo, suas
habilidades, é o percurso da moral, construída dia a dia nas relações com outros
cidadãos e com as leis da cidade.
Nesse
ínterim, destaca-se, como essencial para a formação humana, o desenvolvimento
do indivíduo e sua cultura fundamentados na justiça. É a busca por essa
fundamentação que salta aos olhos quando se investiga as relações educativas
gregas.
O
ideal educativo fundamentado na justiça – em que pese ser esse um termo que
precisa ser melhor trabalhado, uma vez que há variações culturais em relação ao
que é justo e ao que não é e, obviamente, em algumas culturas aspectos
peculiares da justiça poderiam conflitar com o corpo doutrinário da justiça
grega – é capaz de formar o indivíduo de forma a respeitar – dos aspectos mais
elementares aos mais sutis – o outro indivíduo que também está em processo de
formação (veja-se que esse processo de formação é contínuo, e não acaba com o
fim das lições ginasiais), e as leis de sua cidade.
Quando
a formação se dá tendo como guia a própria justiça, formam-se cidadãos capazes
de buscar o aprimoramento de suas relações interpessoais e das próprias leis da
cidade. Ou seja, não se trata de formar crianças à luz de um conjunto rígido de
leis (que buscam ser justas, claro), mas de um conceito que extrapola a
capacidade humana de forjar regras para determinar o que é certo ou errado na
cidade.
O conceito de justiça como
guia do percurso formativo do indivíduo é essencial na formação humana, que
gera sujeitos ao mesmo tempo capazes de respeitar o próximo, sua cidade e suas
leis, e alterar as regras legais, visando o aprimoramento do corpo doutrinário
que rege a vida na cidade e suas próprias relações com o outro.
Essas ideias lançam luz sobre
uma questão de difícil solução: a melhoria da educação pública brasileira.
Nos últimos anos, tem-se visto
uma galopante melhoria nas condições dos materiais educativos dos quais os
professores dispõe para ministrar suas aulas. Tanto nos materiais mais básicos,
como os livros, lousas e carteiras, até os mais tecnológicos, como projetores,
computadores e softwares de última geração (é óbvio que isso não existe em
todas as escolas públicas brasileiras).
A questão de maior problema
agora é a relação professor-aluno. A mais absoluta falta de respeito impera
nesse setor, fazendo das salas de aula verdadeiros campos de batalha entre
aquele que quer ensinar (e às vezes não tem formação mínima para isso) e
aqueles que vêm-se investidos de toda forma de legitimidade para combater a
autoridade do professor (e encontram proteção nas regras e leis existentes –
mesmo sendo ações claramente atentatórias contra o bem-estar escolar).
Em suma, vê-se uma situação em
que o aluno está investido de mais autoridade do que o professor que está ali
para ensiná-lo. O problema da educação pública brasileira está aí, e não
apenas, como querem fazer crer muitos pais de alunos, alunos e até professores,
na precariedade das escolas (a despeitos das evoluções tecnológicas e de
materiais didáticos). A precariedade existe e não se nega isso, mas mesmo essa
precariedade daria conta de formar minimamente alunos que saem das escolas
(“precárias”) muito menos “formados” do que essa escola seria capaz de formar.
Desenvolver relações de
ensino-aprendizagem de qualidade é a mais alta dificuldade a ser enfrentada
hoje. Talvez restituir a justiça como guia do percurso formativo seja o caminho
para se construir um ensino público de qualidade, hoje guiado pelo conceito de
“liberdade” dos alunos. Que haja a desejável liberdade, mas que seus limites
sejam os impostos pelos mais altos valores da justiça.
Todo o resto é parafernália
tecnológica que, ao invés de formar pessoas que pensam, forma sujeitos
incapazes de pegar um lápis, apontar, e escrever o próprio nome sem erros
gramaticais.
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