Catedral

Gostava de contar as horas no velho cuco que o avô pendurara na parede havia décadas. Quando sob o sol, olhava a sombra das pedras se moverem. Talvez ele fosse o único naqueles dias tristes a se dar conta de que o olho nú consegue ver o deslizar da Terra pelo espaço apenas através de uma única, milenar e insignificante pedrinha, que qualquer trabalhador chutaria se a encontrasse no caminho. Naqueles dias - quando a mágoa não era conhecida, apenas a saudade do pai que se fora sem dizer para onde - os dias passavam pesadamente lentos. A mãe era farrapo de mulher, que se sustentava sobre as pernas finas e carregava os ombros arcados, cansados de costurar o dia todo e parte da madrugada. No vai-vem da agulha, eram costuradas linhas, panos, trapos e mágoas, essas sim, por ela bem conhecidas. Hoje aqueles dias são saudosos, mas não menos tristes. Engraçado como o tempo tem a capacidade de fazer o homem sentir saudade até da tristeza. Todas aquelas memórias lhe vinham agora, com força. Amargamente. Olhava através da janelinha da Catedral, que dava para o céu. O dia quente e sufocante era cinza como a alma daquele homem. Cinzas eram as paredes sujas de fuligem da metrópole. Tudo era cinza olhado de dentro de si... E agora? Ele se preparava para partir, e deixar a mulher e o filho sem saberem para onde fora.

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