Trazia em
si o terror da morte. Terror de morrer repentinamente sem sequer se
dar conta de que estava morrendo. A alegria não passava por sua
vida, mas a morte... essa não lhe saía da cabeça. Tinha dúvidas
sobre haver vida depois de partir. Para onde iriam as almas dos
mortos, caso elas existissem? Essa pergunta sempre lhe perturbava.
Temia o inferno dos Cristãos, mas temia ainda mais não haver nada.
Às vezes se pegava suando frio, com a mente voltada para seu fim.
Não havia qualquer motivo para se fixar tão intensamente no tema:
era contador, não tinha uma vida atribulada, era casado com a mesma
mulher havia mais de 30 anos (embora não conversassem há... quanto
tempo? Não lembrava), e tinha uma saúde razoavelmente boa, embora o
médico dissera-lhe que estava com o colesterol um pouco alto. “Nada
de mais”, lhe garantira. Mas tremia, como tremem os cães
vira-latas sob a chuva do inverno. Tremia, e o tremor lhe congelava o
peito, as pernas, os braços. Era terrível. E nesse tremedeira,
passava as horas, os dias, os anos. Tudo passava, mas o temor se
mantinha fiel a seu coração desesperançado e covarde. Sempre se
pegava a perguntar: como será a hora “agá”? Verei um túnel
escuro com uma luz no fundo? Verei repassar toda a minha história
sobre meus olhos (para meu rubor eterno...)? Ou não verei nada, não
saberei que morri e nada existirá depois disso? Muitas leituras,
muitas religiões, muitas filosofias. Mas nada que lhe aplacasse o
temor. Aquele medo todo lhe havia surgido no peito quando tinha 16
anos. E depois disso, jamais o abandonou. Eram décadas de
sofrimento, que não diminuía. Não queria passar por psicólogos,
psiquiatras e congêneres. Temia acabar preso em uma camisa de força,
tido como o mais novo maluco do pedaço. Os seus dias eram um ritual
que se repetia: acordar cedo, tomar banho, escovar os dentes, correr
alucinadamente para o trabalho, onde era escravizado; voltar para
casa depois de um dia estafante, engolir a janta e dormir
pesadamente. Amigos não tinha. Parentes não visitava. A única e
fugaz alegria de sua vida era sentar-se no parque e tomar uns
minutinhos de Sol. No trabalho, era empregado padrão, mas não batia
mais metas havia anos. Não temia ser demitido. Temia apenas morrer.
E foi em um banho de Sol, em um dia qualquer, que de supetão lhe
veio à memória: morrera havia décadas, e vivia apenas a inconsciência de sua morte. Parou de tremer, e esse
foi o dia mais feliz de sua vida.
Comentários