Fotos de Amanda. |
Amanda
Machado não é uma celebridade. Na verdade, é uma garota comum com
todos os sonhos e sofrimentos das garotas comuns que almejam o
estrelato. Talvez seu nome jamais chegasse a nós, não tivesse ela
sido duplamente vítima: primeiro, da imprudência que motoristas
insistem em protagonizar, dirigindo em velocidades inaceitáveis,
matando e morrendo como se a vida não valesse nada. Segundo, Amanda
foi vítima de uma modernidade narcísica, autorreferente e
profundamente patológica.
Estamos
falando de Amanda, a moça que fez questão de fotografar-se (e com
seu parceiro “Cuzidooooo” - como ela descreveu nas redes sociais
o sujeito embriagado e que estava no banco do passageiro), depois,
registrar em imagens a velocidade com a qual ela conduzia o veículo:
180 quilômetros por hora na BR-364, entre os municípios de Palotina
e Terra Roxa, no domingo (25). Até aí, é a corriqueira cena de
imprudência que nosso Código de Trânsito não consegue coibir.
Acontece
que o carro de Amanda capotou. Então, sem pensar duas vezes, ela
sacou o celular e tirou dois retratos seus (selfies), postando
imediatamente nas redes sociais. Na legenda de uma foto pedia
“socorro”, em outra, mais dantesca e mostrando o rosto
ensanguentado e todo o sofrimento de alguém que acaba de escapar da
morte, com todas as escoriações possíveis, afirmava que o carro
capotara.
Às
autoridades policiais ela e seu companheiro afirmaram que Amanda era
passageira. Mas na primeira foto, ela aparecia ao volante, e ao seu
lado, o rapaz sem cinto se segurança, aparentemente embriagado.
Ainda não se sabe se ela ou o rapaz dirigia o carro, um Fiat Strada.
Beira a
patologia alguém que acaba de sofrer um acidente grave, tirar fotos
de si mesma totalmente ensanguentada e desesperada. O que ela queria
com essa atitude? Naturalmente, almejava que pessoas se
solidarizassem com ela e, ao mesmo tempo, ser referenciada,
mencionada e “curtida” nas redes sociais. Para isso, para ser
alguém importante nas redes, vale tudo, até demonstrar a
profundidade de sua irresponsabilidade, sua dor, sua situação
lamentável.
Tornar-se
protagonista de fatos sociais marcantes há décadas é imposto às
pessoas, para terem prestígio. Mostrar-se importante, ser invejado,
ou, nas palavras de hoje, “causar”, são essenciais para
atingir-se a “felicidade”, essa desconhecida. Com as redes
sociais, que ligam rapidamente todas as pessoas sem as dificuldades
advindas da distância, e pela facilidade de noticiar-se, a
autorreferência tornou-se a regra, a falta de crítica o motor.
É óbvio
que as redes sociais possuem um potencial enorme para mobilizar
pessoas para causas nobres. Mas não são as redes que estamos
discutindo, e sim as consequências de uma modernidade em que, como
diz Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, tudo é líquido
e nada é feito para durar.
O que
muitas pessoas não percebem é que as consequências de seus atos
duram muito mais do que os atos em si. Quando a irresponsabilidade
guia tais ações, a sociedade (em que todos agem como formigas em um
formigueiro recém-pisado) torna-se o palco de todo tipo de
insanidade. Hoje em dia, a autorreferência espetacular parece ser
uma das mais frequentes insanidades “nossas de cada dia” (dentro,
claro, do microcosmo onde cada humano vive – não falamos aqui de
assassinatos em massa, bombardeios, assassinatos por drones em
guerras silenciosas etc).
Talvez
faça bem olhar ao redor de si e ver que existe um mundo,
independente de sua vontade e de sua existência.
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